É compreensível o nervosismo do motorista no cruzamento diante de um daqueles malabaristas sacudindo seus pinos acesos ou apagados diante do farol vermelho, no auge da pressa na hora do rush. Será que aquele que contribui com a sua moedinha realmente o faz por sentir-se entretido com o pequeno número? Fará parte da catarse buscada na arte o ímpeto de atropelar um artista circense sob a faixa de pedestres? Não se há de negar que é o tipo de intervenção que desperta sentimentos profundos, ao menos em parte de sua platéia.
Tive um sentimento de identificação com a coisa ao cair de paraquedas num bate-e-volta convulsivo até Sampa para assistir minha irmã fazer parte do coro de sua primeira ópera, Utopia, Limitada, título que resume o que já foi a idéia de se produzir ópera numa escala semelhante à européia aqui na ilha remota da América do Sul. Hoje, acreditando que a fórmula correta para auxiliar o desenvolvimento do potencial de jovens estudantes de canto lírico e instrumentistas de nível universitário, vindos de todas as partes, seria mantê-los participando de produções regulares, é que o Núcleo Universitário de Ópera vem trabalhando desde 2003 com a montagem constante de espetáculos do gênero num formato diferente do tradicional por considerar o contexto em que ocorre e o público a que se destina. Minha foto não foi com o rei bonitinho nem com os heróicos solistas que substituíram às pressas e em revezamento dois dos mais importantes personagens do enredo afastados por motivos de saúde. A foto é com a mais especial nativa utopiana, Patrícia Nascimento, dona da tatuagem da borboleta, no QUIZ DA TATUAGEM, publicada na nossa penúltima pesquisa de tendência, aqui muito mais bronzeada do que na vida real. O lugar é o Theatro São Pedro, um brinco de arquitetura bem pertinho do metrô Marechal Deodoro.
Num vagão da CPTM entre Santo André e o Brás, estressados com a rotina do vai e vem diário, nós mais do que todos, assistimos a intervenção ilícita de uma dupla de repentistas que vendiam seu peixe em faixas independentes separadas pela chegada a uma estação e outra, quando, camaleônicos, voltavam a ser passageiros por alguns segundos para driblar a fiscalização que reprime o comércio ambulante nos trens. Uma vez em movimento, sacavam pandeiros de brinquedo e apresentavam suas emboladas ensaiadas e improvisadas arrancando no mínimo sorrisos de uma tripulação endurecida como os próprios artistas. De um ponto de vista cavernoso, e por isso mesmo hilário, o ódio pela sogra, a conclamação para a surra em homens que usam brinco (letra da embolada ao lado) e mesmo um réquiem para Isabela Nardoni estão contidos no CD que eles deram conta de nos vender a módicos R$5,00, além de posar para a foto tímida. Seus nomes no CD são Ivan e Erisvaldo, embora no áudio o Erisvaldo é sempre pego chamando o parceiro de Eri, lapso que acomete os mais fiéis casais, mas que aqui acho que se deve a própria instabilidade do mercado em termos de mão de obra. Pois se até nossas divas solistas têm que ter substituídas na hora “H”, que dirá nós pobres mortais.
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